domingo, 19 de abril de 2009

Entrevista com Ivan Huol

Segue a entrevista que fiz com o músico Ivan Huol, baterista e percussionista do Grupo Garagem e idealizador do projeto Jam Sessions. Desculpem-me a demora em publicá-la.
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“Eu me considero uma pessoa fadada à música”. Com quatro anos de idade, ele fez sua primeira apresentação em público. Na adolescência, já era íntimo dos instrumentos que lhe deram fama e notoriedade no meio musical: a percussão e, posteriormente, a bateria. Com uma trajetória de vida sempre ligada à música, Ivan Huol é um músico versátil e apaixonado pelo que faz. Chegou a cursar Comunicação na Universidade Federal da Bahia (Ufba), mas passou, pouco tempo depois, para a Escola de Música. Huol é baterista do grupo Garagem, banda instrumental de jazz, com quase 29 anos de estrada, e que tem no currículo apresentação fora do país (em Los Angeles, Estados Unidos). Paralelo à banda, o músico é idealizador do projeto Jam Sessions, que acontece sempre aos sábados, no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), atraindo cada vez mais público. Nessa entrevista, Huol mostra-se atento aos paradigmas da cena alternativa, tema do bate-papo que aconteceu no intervalo de sua apresentação de jazz no bar Ex-Tudo. Sempre frenético, ele fala, de maneira apaixonada, das contradições do mundo da música e dificuldades enfrentadas por bandas que lutam para consolidar movimentos e galgar um lugar ao sol que ilumina o disputado main stream. Ele comenta as recentes declarações de Caetano Veloso e analisa grupos de pagode, como o Fantasmão e Psirico. Aqui, o músico ainda tece elogios e críticas aos governos baianos – disparando contra os carlistas - e ao público, que está sempre no foco de Huol. O também mentor do Microtrio, que anima o folião alternativo nos carnavais, leva a sua paixão pela música à sério, e avisa: “eu acredito na música como um verdadeiro negócio”.
Renata Alves – Para começar, conte como entrou na carreira musical e a história do grupo Garagem.

Ivan Huol – Olha, eu nem me lembro. Eu pegava uma guitarra de brinquedo e ficava interferindo nas festinhas de aniversário. Tinha quatro anos. Uma tia minha, baseada nessas performances de quatro anos de idade, me convidou para fazer o teste da Hora da Criança. Eu fiz o teste e fui escolhido o tenor. E foi uma honra, eu com sete anos – pô, uma honra é demais, né? Mas foi maravilhoso, foi uma experiência única, eu cantando Castro Alves com a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal. Depois eu conheci, então, através de minha irmã, um dos percussionistas mais notórios, que é o Ary Dias, baterista e percussionista da banda A Cor do Som. Ele, naquela época, era meu farol. Ary fez sucesso, as meninas gostavam dele, então eu também poderia ter minhas meninas (risos). Foi esse primeiro contato que eu tive com o instrumento. Paralelo a isso, eu sempre fui muito apaixonado por música, independente de tocar ou não, mas, como eu tive iniciação com a bateria, eu me achava o cara mais descolado do pedaço, mas não tocava. Então, eu hibernei dos nove aos dezesseis, dezessete anos sem nenhum contato com o instrumento. Quando eu via uma bateria, meu coração saia pela boca, de emoção. Não é emoção, é paixão, é medo. Eu tive muitos tempos de depressão musical. Eu tocava, depois achava que não tocava... A gente sempre fica nessa gangorra. Já o Garagem começa de uma conversa, na Escola de Música [da Universidade Federal da Bahia] entre eu e Rowninho [Rowney Scott]. Teve um baixista chamado Ângelo, que nunca seguiu carreira. Eu me apaixonei pela percussão, mas sempre olhando a bateria de canto de olho, porque eu sabia que precisava me expressar na bateria também, que é um instrumento mais de liderança, nesse formato instrumental. E aí, com pouco tempo, Ivan Bastos entrou no baixo e vários guitarristas tocaram. O grupo fez uma carreira de quase sucesso total, porque tocamos no Free Som com muitos grupos do Norte-Nordeste classificados. Era um vestibular pro jazz.
R – E a Jam Sessions? Como e quando surgiu a idéia desse projeto?

I – Acho que foi em 1991, mais ou menos. As Jam Sessions eram feitas em minha casa, como reuniões dominicais. O espaço ficou pequeno, e aí fomos para o Icba, onde começou a juntar gente, chegando em uma estimativa de 400 pessoas, uma maravilha. No MAM começou, se não me engano, final de 1992. Depois de oito anos, com o projeto no auge, o governo não democrático resolveu cancelar a Jam por seis anos. Trocou o governo, e eu na espreita, porque assim que pudesse, eu entraria com a proposta. Aí conseguimos o patrocínio e a Jam, então, esse ano, em agosto, vai fazer dez anos. Se você contar, são oito anos da outra gestão e mais dois anos dessa. Nossa estimativa de público era de 300 pessoas e foi, primeiro dia, 725 pessoas. Segundo dia, oitocentas e tantas, depois 1200, depois 1500... Chegou a 2500 pessoas.
R – Na sua opinião, o público alternativo de Salvador aumentou? Acha que o governo está atento a essa tendência, ou esta é incentivada pelo Estado?

I – Na verdade, eu acredito que o governo já faz porque tem em mente que existe esse público. Não é paternalismo, eles estão fazendo o que eles têm que fazer mesmo. E o público está indo, isso até para valorizar ainda mais essas iniciativas. Porque existe um dirigismo, não nesse governo, mas em políticas culturais. “Então o povo precisa ouvir poesia”. Que poesia? “Ah, o público precisa ouvir boa música”. O que é boa música? Eu estou por aqui com a cultura baiana, que menospreza, repetindo o mesmo padrão de cinquenta anos atrás, as manifestações que vêm das massas. A gente está sempre repetindo esse clichê, que não tem cultura...uma ova! A gente é que não tem a mente aberta pra dizer que tem uma outra cultura. No primeiro momento, todo mundo discrimina, depois ficam todas as burguesinhas dançando na boquinha da garrafa. O establishment e o main stream funcionam assim. Agora tem o Fantasmão, né?
R – Tem. Caetano Veloso, em post no seu antigo blog, teceu elogios ao pagode baiano, citando Fantasmão e Psirico. Você acha que está acontecendo uma aproximação entre o meio alternativo e os movimentos de cultura de massa? Há uma diminuição do preconceito?

I – Eu acho que a classe média está muito mais afinada com José Serra, em certo sentido, do que com Lula. Eu acho que, justamente por isso, Caetano sobe nas tamancas pra falar. Agora, essa conversa é antiga. Desde o tempo em que ele botou guitarra na mpb, disseram que ele estava acabando com a música, tirando as características... O Fantasmão, que eu mal conheço, não ouvi e já gostei. Claro que eu não sou hipócrita, eu não vou comprar um disco de Fantasmão e ficar ouvindo em minha casa. Mas a música se presta a um determinado papel. Você não vai para um concerto de música erudita para balançar o esqueleto, ao mesmo tempo que você não vai para o show Psirico ficar ouvindo a performance de Márcio Vitor. Márcio Vitor não canta duas notas. Aí, nesse ponto, eu tenho minhas críticas ao pagode. Dois minutos de Psirico tem mais energia que dez minutos de uma balada instrumental. Nossa...eles estão fazendo impressionismo do que é o instrumento. Eu tive um momento na minha trajetória, que a gente foi tocar em Plataforma, com o grupo Mandaia e Armandinho. E antes, tinha apresentação de um grupo de pagode. O pessoal disse: "olhe, esperem aí que os grupos de pagode sempre se apresentam. Mas não levem a mal, não, é que eles não têm cultura". Quer dizer, cultura é a nossa, e a deles não é, né? Eu acho que Caetano está na contramão da burrice. Agora, não estou embasbacado.
R – Já que falou sobre Carnaval, quero saber do Microtrio, que está ali na porta. Como surgiu a idéia, como pensam o repertório...

I – O Microtrio é aquela história de “já que Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé”. A gente toca o que a gente quer. Por incrível que pareça, nossa gestão ali acaba favorecendo um repertório que as pessoas se identificam. Impressionante a gente cantando “Have You Ever Seen The Rain”, do Creedence Clear Water Revival. Mas a turma, não sei se você estava na hora...
R – Estava sim...

I – Porra...eu vou deixar de tocar essa música, porque politicamente eu tenho que tocar músicas de Toquinho e Vinícius? Se for o caso, a gente toca. E aí começamos a flertar com o núcleo de carnaval. Quando fizemos o Microtrio, que a gente começou a cantar, por exemplo, “A banda da Carmem Miranda”. Naquele momento ali, era politicamente correto, porque essa música foi riscada do mapa. Riscaram um marco, uma expressão tão bonita. A gente não está fazendo um resgate. A música é coerente com a folia.
R – Pensando na cena alternativa, comparando o passado com o presente, como é que você imagina esse cenário para quem toca ritmos como jazz e rock? Você acha que, para esses movimentos, em termos de público e iniciativa pública e privada, pode melhorar?

I – Eu não acredito na iniciativa privada, não espero nada dela. Na pública, eu acredito. Mas eu acho que a gente tem que tomar as rédeas. É o músico que tem que tomar conta dos meios de produção, não é ficar esperando que um cara do governo vá investir. É um negócio, eu acredito na música como um verdadeiro negócio.
R – E no público baiano, você acredita?

I – Piamente, claro. Mas agora, temos que deixar essa mentalidade de extorquir dinheiro das pessoas. Passa o chapéu e as pessoas pagam.
...
[Muito obrigada a Ivan Huol, pela entrevista e simpatia]

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a entrevista, Reny! Simpatizei com ele só de ler isso.

Vocês tocaram em pontos muito importantes, e eu concordo muito com ele. Mas tem uma coisa que eu acho que não acontece: a galera inão vai pros eventos na intenção de apoiar, de fortalecer, enfim. É uma droga porque ninguém paga, e mesmo sem pagar, o público não é satisfatório (no meu ponto de vista, talvez esteja errada, sei lá!)
Acho que a galera não pode ficar com pena de pagar, por exemplo, 5 reais pra conhecer uma banda nova. Acho sempre muito válido e o que eu conheço de gente que não faz questão de conhecer coisas novas porque tem que pagar uma quantia tão boba dessa, sabe?
:P
E o que tem de banda boa "acontecendo" em Salvador...

No mais, acho legal essa mistura!

Beijo!!